Que estilo de oração praticamos na libertação?
Antes de mais nada, um estilo de oração comunitária; e isto por dois motivos: um teológico e um pastoral. Não preferimos a oração individual, como se costuma fazer no exorcismo. No exorcismo é o exorcista quem atua; na oração de libertação atua a comunidade. Damos grande valor à realidade de Igreja, vivente em cada comunidade de fiéis que se reúnem em redor de Cristo e invocam o Espírito. Na comunidade dos crentes é Cristo quem atua e continua a libertar os irmãos da presença do inimigo.
Por outro lado, consideramos com segurança que a libertação é função do Corpo Místico de Cristo, que deve eliminar do seu seio as infiltrações do Maligno, lá onde elas se manifestarem; porque qualquer manifestação do Maligno pesa sobre o corpo todo e danifica-o. Eis então a idéia de que a Igreja, a comunidade, e em toda a Igreja.
Há também um motivo pastoral, ou, melhor, teológico: a oração comunitária permite a interação dos vários carismas, que, deste modo, melhor iluminam e tornam mais eficaz a oração. Por outro lado, preserva-nos do perigo de sermos confundidos com magos ou curandeiros, que atuam sempre isoladamente. A interação dos carismas é um motivo pastoral: numa comunidade existem diferentes carismas; como a finalidade é livra-se de um mal, um grupo que tem bons carismas obtém mais facilmente a libertação.
Qual é a composição ideal de um grupo?
Tratando-se de um grupo carismático, nós procuramos antes de mais quem tem o carisma da cura.
Nos primeiros séculos da Igreja, antes que se instituísse o sacramental do exorcizado, eram os carismáticos que libertavam; ou seja, eram todos os cristãos que exerciam os seus carismas. Também hoje existem pessoas que possuem este carisma; são pessoas que vivem no anonimato, mas que têm poder sobre o Maligno.
Nós apercebemo-nos deste fato porque na sua presença, mesmo quando rezam em silêncio e retirados do grupo, o paciente começa a abanar-se todo. A sua presença é suficiente. São pessoas que, por terem este carisma da cura, asseguram a autoridade carismática do grupo. É uma experiência claríssima que já fizemos.
Utilizamos também o profeta em abundância. Quem é o profeta, o profeta bíblico? É um dom de Deus também presente nos nossos grupos. O profeta é quem recebe uma iluminação do Espírito Santo e nos dá indicações bíblicas. Com o avançar da oração, é que ele quem dá indicações que acertam em cheio o alvo; por isso, a oração é sempre guiada. Descobrimos, por exemplo, a origem de uma doença porque no decurso da oração o Senhor intervém sugerindo texto bíblicos adequados ao caso em questão.
Por exemplo, o profeta sugere: “Vamos ler Isaías 4,4 seguido de Ezequiel 8,2”. É criado um clima que nos orienta sobre como devemos agir. A presença do profeta é muito importante; por vezes, durante a oração, o Senhor conforta-nos, convida-nos a insistir, indica-nos a origem do mal.
Quando é possível, também está presente o Sacerdote que assegura a autoridade eclesiástica com o seu poder ministerial. E também há quem interceda; há pessoas que têm o carisma da intercessão. Quando um grupo é composto desta maneira, com a presença de vários carismas, é um grupo ideal para fazer o discernimento e para orientar a oração. Esta torna-se muito eficaz e nós apercebemos-nos da alegria, da paz e da serenidade que acompanham a libertação. É claro que, no discernimento, prestamos atenção ao grupo infetado, à identidade dos espíritos do mal que atuam, no nível em que atuam e os objetivos que os movem.
Qual é a força da oração de libertação?
É uma pergunta que já várias vezes me fiz. A oração de libertação muitas vezes chega a substituir o exorcismo. Aliás, em certos caso não convém fazer o exorcismo, que deve reservar-se para as situações mais graves. Nos casos menores, ao contrário, é preferível a oração de libertação. Exercendo este ministério, reparei na força extraordinária da oração de louvor: liberta uma força poderosíssima. E também reparei na força da Palavra de Deus, sobretudo das palavras de Jesus. Nós baseamo-nos muito nestes dois elementos: a oração e a Palavra.
No exorcismo oficial temos três elementos: a oração, a Palavra, a esconjuração. E, muitas vezes, a conjuração, ou seja, a ordem dirigida ao Maligno é resolutiva. Nos casos mais graves não podemos deixar de nos agarrar a ela, porque é a autoridade da Igreja que intervém.
Na oração da libertação, pelo contrário, a força decisiva é o louvor. É suficiente pensar em alguns casos bíblicos. Durante a batalha contra Amalec, Moisés reza sobre o monte: são os seus braços erguidos em oração que obtêm a vitória.
Jericó era uma cidade bem fortificada; e, no entanto, foi suficiente a oração de louvor a Deus, cantada em redor da cidade, para lhe derrubar as muralhas.
O Segundo Livro das Crônicas informa-nos sobre os israelitas que partiram para o deserto do Tecoa; Josafat colocou os cantores do Senhor, vestidos de paramentos sagrados, à frente dos homens, para que louvassem a Deus dizendo: “Louvai o Senhor porque a sua graça dura para sempre”. Assim que começaram os cânticos de júbilo de louvor, o Senhor preparou uma armadilha contra os inimigos de Israel, que foram derrotados.
A oração é forte, sobretudo no Novo Testamento. Cristo obteve a vitória decisiva sobre o Maligno e a oração de louvor, com esta vitória, reordena o universo perturbado pelo pecado. O Maligno tinha tentado apagar o louvor no céu, arrastando os anjos rebeldes para o inferno. Tentou, depois, interromper o louvor de Adão, o homem que devia fazer-se voz do universo e louvar o Criador.
Agora, cada vez que o inimigo ouve a oração de louvor, escuta a vitória de Cristo vitorioso sobre a morte, sobre o pecado e sobre os demônios. E Satanás sente uma inveja fortíssima, porque agora é o homem quem louva a Deus; no lugar que ele ocupava, agora, está o homem que se une aos Anjos e louva o Senhor. O Maligno sente-se frustrado na sua pessoa e nas suas obras; por isso reage com tanta veemência à oração de louvor.
A oração de intercessão também é muito potente. Constatamos isso no livro dos Atos, quando os Apóstolos estão na prisão e a Igreja reza por eles e se dá a libertação. Do mesmo modo, pouco depois, quando Pedro está preso, a Igreja reza; e Deus envia o anjo para libertar o Seu Apóstolo. Também nas nossas orações, constatamos que o Maligno fica furioso, sobretudo, durante a oração de libertação e, freqüentemente, é durante esta oração que foge.
Sublinho, igualmente, a força de Palavra. Nós não esconjuramos, a não ser que esteja sempre um Sacerdote autorizado; mas atribuímos muita força à Palavra de Deus; experimentamos esta força e usamo-la largamente. Têm especial eficácia as palavras de Jesus e as outras citações bíblicas que nos são sugeridas. A palavra de Jesus derrota o inimigo. Quando fazemos a oração de libertação, pronunciamos lentamente as palavras de Jesus, escolhendo um dos vários episódios em que ele expulsa o demônio.
Trata-se de apresentar de novo a Jesus, de o fazer reviver naquela cena, de introduzir Jesus, o libertador. As palavras de Jesus pronunciadas nesse momento, com a força de Espírito, derrotam o inimigo, que grita e vai-se embora; e vai-se embora também quando é desmascarado por uma indicação bíblica.
Tal como o cântico de louvor, também a Palavra de Deus consola os aflitos, cura os corações dilacerados, cuida das feridas, infunde esperança, faz com que o paciente experimente pessoalmente a presença do seu libertador.
Já falamos da oração de louvor, da palavra de Jesus. Gostaria de acrescentar mais alguma coisa sobre o modo como estruturamos a oração. Existe uma libertação de (ou seja, uma libertação da presença do Maligno; por isso olha-se para ele) e uma libertação para (vantagem de; e, por isso, olha-se para a pessoa). Mais importante do que libertar de, é libertar para. Privilegiamos a libertação para enquanto trabalhamos pela libertação de. Ou seja, interessa-nos mais o irmão perturbado que o inimigo; a atenção vai toda para o irmão. E é por isso que solicitamos a sua colaboração de todas as maneiras. Em vez de expulsar o inimigo, procuramos resgatar-lhe o paciente.
A libertação pode ocorrer de duas maneiras. Imaginemos uma sala sem que esteja presente o Maligno e o paciente. Um método é o de apanhar o Maligno e expulsá-lo dali; se se consegue, o método é bom. Mas também já vimos que é mais fácil um outro método: aquele de agarrar o paciente e levá-lo para outro lugar, fora da sala, onde esteja em segurança. É o método que preferimos, interessa-nos mais o paciente do que o inimigo.
Interessarmo-nos pelo paciente significa estimulá-lo a rezar, solicitar a graça de Deus sobre ele e fortalecê-lo com os sacramentos, ajudá-lo a tomar consciência da sua situação para que saia dela. Vimos que, desta maneira, a libertação é mais fácil, pois transforma-se o homem infestado pelo Maligno num homem capaz de viver com o filho de Deus.
Com efeito, qual é a finalidade do Maligno?
É destruir o homem-cristão, o homem na sua identidade de filho de Deus. Nós, então, temos de o tornar capaz de viver a sua vida filial no Espírito Santo. Por isso, logo de imediato, invocamos sobre ele o Espírito Santo, para que preencha os espaços vazios, para que o corrobore de maneira a que, com a força do Espírito, possa arrepender-se e viver plenamente a proposta de vida cristã na fé, na esperança, na caridade.
Também tem muito peso a fé o amor daqueles que intervêm. Nós pedimos sempre ao Senhor uma grande fé; o nosso ministério exige muita fé; o Evangelho é claro. A nossa força é a fé de quem reza e a caridade para com Deus e para com o próximo.
A fé e a caridade ajudam-me reciprocamente muito bem. São Gregório Magno, falando acerca da pregação, afirmava que ninguém pode exercer este ministério se não tiver caridade para com o próximo. Nós dizemos o mesmo a respeito do ministério da libertação. O espírito maléfico não resiste ao amor; ele, que é fogo, tem medo do fogo do amor. Por isso, nós procuramos amar o doente, amar quem está infestado, para além de nos amarmos uns aos outros no grupo. Se não existe amor não se avança, porque o amor derrota o inimigo.
fonte: Padre Gabriele Amorth: Livro Exorcistas e Psiquiatras
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