segunda-feira, 1 de novembro de 2010

Medicina e Religião

Com o auxílio do Dr. Roque Marcos Savioli, doutor em Cardiologia pela Faculdade de Medicina da USP , Diretor da Unidade de Saúde Suplementar do Instituto do Coração do Hospital das Clinicas da Faculdade de Medicina da USP e autor dos livros : Milagres que a medicina não contou; Depressão onde está Deus? e Curando Corações e com os dados fornecidos por ele, escrevemos este item para o leitor que desejar se aprofundar no assunto.

A Igreja respeita profundamente a ciência; de modo especial a medicina, e simplesmente acata aquilo que a medicina séria comprova e considera válido.

Sabemos que a partir do século IV, organizações religiosas ligadas à Igreja Católica foram pioneiras na construção dos primeiros hospitais do ocidente com o objetivo de atender à população carente que necessitava de cuidados médicos. A partir dessa época, os mosteiros e as ordens religiosas eram responsáveis pela formação e habilitação dos profissionais médicos, mantendo sempre seu perfil humanista. Nesse tempo, o médico e o religioso eram a mesma pessoa, que curava o corpo, alma e espírito (a tradição popular portuguesa ainda traz a palavra "cura" como sinônimo de padre).

As grandes transformações político-sociais que vieram com a Revolução Francesa e a Reforma Protestante, no entanto, iniciaram ideias separatistas também na relação medicina e religião. A partir da metade do século XIX, o desenvolvimento da ciência e da tecnologia, a grande evolução do pensamento humano e o advento da medicina científica, separaram totalmente a medicina da

religião, particularmente após Charles Darwin publicar seu revolucionário livro A evolução das espécies por meio da seleção natural. Essa obra levou os teólogos a começarem ver a ciência como uma ameaça à sua fé. A ciência, por sua vez, já há muito tempo via a religião como uma ameaça à liberdade científica.

No século XX, Freud, um dos pioneiros da psicologia, admitia que a religião poderia causar doença psicológica, por ele denominada "neurose obsessiva universal", e descreveu as experiências místicas como "regressão ao narcisismo primário". Carl Jung, seguidor de Freud, contestava seu mestre ao admitir que a busca de um bem estar espiritual era fator preponderante para a manutenção da saúde mental. Jung, fundador de uma das maiores escolas de psicologia do mundo, foi categórico ao admitir a importância dos rituais católicos na cura dos problemas emocionais, principalmente a eficácia dos sacramentos, como a confissão e a eucaristia, embora fosse agnóstico e filho de protestantes.

A partir da segunda metade do século passado, o enorme progresso das ciências físicas, químicas e biológicas, aliado ao grande desenvolvimento tecnológico, foram, cada vez mais, redirecionando a formação e a atuação do médico. Crescia o interesse pelas ciências experimentais e diminuía o interesse pelas humanas.

A medicina delirava sobre suas descobertas e conquistas, não havendo espaço para Deus nessas vitórias, pois tudo tinha de ser cientificamente comprovado para ser verdadeiro. Nos últimos anos do século passado, no entanto, provavelmente pelo momento escatológico do milenarismo, com a consequente necessidade de espiritualização do homem, vários centros mundiais de pesquisas médicas começaram a mostrar interesse em analisar os efeitos da espiritualidade e da religiosidade sobre a evolução das doenças, iniciando-se um movimento de reaproximação da medicina e da religião.

Com o aumento do interesse dos pesquisadores, vários encontros médicos foram realizados para discutir "Religião e Medicina",de modo que começaram a surgir idéias para a realização de estudos,na tentativa de comprovar a importância da fé na evolução das doenças.

Uma pesquisa realizada com seis pessoas religiosas e seis não religiosas, foi feita usando o PET scan, isto é, a tomografia computadorizada com emissão de positrons, antes e após de três leituras diferentes: a recitação do Salmo 22/23; de uma rima infantil e de uma leitura inespecífica (páginas de lista telefônica). As imagens PET mostraram ativação significativa de um circuito cerebral frontal parietal das áreas dorso lateral pré-frontal, dorso medial-frontal e medial-parietal da córtex dos religiosos durante a leitura do Salmo. (Azari, N.P and cols - "Neural correlates of religion experience". European Journal of Neuroscience - april - 2001).

É provável que essas áreas estejam conectadas com áreas cerebrais responsáveis pela imunidade do organismo humano. Cada vez mais vai ficando provado, cientificamente, que a Religião influencia fortemente na saúde das pessoas; por causa disso, hoje cresce bastante o número de pesquisas neste campo.

O Dr. Roque Savioli, depois de vários estudos sobre esta questão, está convencido que existe em nosso cérebro um "centro da fé" , que responde aos estímulos espirituais. Este, ao ser estimulado por um momento de oração, pode ocasionar resposta dos centros de imunidade orgânica.

Muitos cursos de medicina associando Religião e Medicina estão surgindo no mundo todo. Em 2002, 86 das 126 escolas de medicina dos USA ofereceram cursos de espiritualidade e saúde.

A Harvard Medical School (Escola de Medicina de Harvard, nos EUA) oferece o curso: "Espiritualidade e cura na medicina", curso anual, desde 1995 para todos profissionais de saúde dos EUA.

A Duke University mantém um "Centro de Estudos de Religião e Espiritualidade e Saúde".

Dr. Roque Savioli, em aula proferida na TV Canção Nova, no dia 30/09/2004, em nosso Programa Escola da Fé, apresentou dados muito interessantes que transcrevo aqui, sobre os efeitos da religião na saúde:

Mortalidade: estudo de 28 anos, com 5286 adultos com idades entre 21-61 anos, mostrou que nos praticantes de religião, havia 23% a menos de mortalidade do que nos não praticantes. Strawbridge, W. J. Am. J. Public Health, 87: 957,1997.

Meta-análise de 42 estudos, com mais de 126.000 casos revelou que os religiosos tem 29% de possibilidade de viver mais tempo do que os não religiosos.

Hipertensão Arterial - Koenig, H.G and Cols, estudando 3963 pessoas, notaram que aqueles que praticavam religião(ir a missa mais de uma vez por semana) tinham menor incidência de hipertensão arterial. (Int. J.Psychiatriy Med,24:122,1998).

Análise de 16 estudos recentes, 14 deles demonstraram que o envolvimento religioso estava associado a níveis menores de pressão arterial diastólica.

Doenças Cardiovasculares - estudo prospectivo de 23 anos de 10.059 casos, revelou que judeus ortodoxos tem risco coronário 20% menor do que os não religiosos. (Cardiology, 82: 100,1993).

Na análise de 16 estudos recentes, 12 mostraram que o envolvimento religioso estava associado a menor incidência de doenças cardiovasculares ou mortalidade cardiovascular.

Depressão - Comprovou-se que o envolvimento religioso é fator de prevenção contra a depressão em adultos com câncer. (Musick, MA; Koenig, H.G.; Hays, J.C.; Cohen, H. J-J Gerontol., 53, 1998).

Em 29 estudos que analisaram a relação entre depressão e religiosidade, 24 mostraram que o envolvimento religioso reduz os sintomas depressivos e previne novas crises.

Ansiedade - Em 114 pacientes com diagnósticos recentes de vários tipos de câncer, níveis maiores de espiritualidade estavam correlacionados a menores índices de ansiedade (Kaczorowschi, JM. Hosp. J.: 5,1985).

Em 70 estudos prospectivos e cruzados foi encontrada a relação entre envolvimento religioso e menor ansiedade ou medo.

Uso de drogas ou álcool - Estudo prospectivo de 1014 estudantes de medicina revelou, em 20 anos de "follow-up" (acompanhamento), que nos religiosos o índice de alcoolismo ou uso de drogas era expressivamente menor do que nos não religiosos. (Moore,RD and cols. Am.J. Med. 88: 332,1990).

Sistema imunológico - Em 106 portadores de AIDS notou-se associação entre religiosidade, menores índices de depressão e aumento do estado imunológico. (Woods, T. E. and cols. Journal of Psychosomatic Research, 46: 165,1999).

Efeitos benéficos da religiosidade - ajuda a pessoa a manter uma dieta saudável, livrar-se do tabagismo, alcoolismo e drogas. Favorece uma mente positiva e otimista que provoca uma ação sobre o eixo hipotálamo-adrenal-hipofisário com diminuição da liberação de cortisol e nor-adrenalina.

Efeitos negativos da religiosidade - Uma religiosidade fanática e mal orientada, pode causar prejuízos às pessoas, como por exemplo: descontinuidade de tratamento médico prévio, praticas danosas a saúde física e mental (jejum exagerado, auto-mutilações), surtos depressivos ou psicóticos após insucesso no resultado das preces; prática de algumas seitas religiosas podem estar associadas a maior incidência de doenças mentais.

Sobre os pacientes americanos: 95% dos americanos acreditam em Deus; 77 % gostariam que o seu médico falasse em Deus durante as consultas; 73 % acham que os médicos deveriam compartilhar suas crenças com os seus pacientes. No entanto, somente 10 a 20 % dos médicos falam de Deus para seus pacientes.

Sobre os médicos: 64 a 95 % acreditam em Deus; 77 % acham que os pacientes deveriam partilhar suas crenças com eles; 96% admitem ser o bem estar espiritual importante na saúde; 10 a 20 % não falam em Deus por acharem que é perda de tempo, ou por não se sentirem preparados para tal ou por terem dificuldade em identificar o paciente adequado.

Muitas publicações científicas internacionais têm surgido em todo o mundo. Alguns exemplos são:

- Mueller, Paul, S. and cols - "Religious Involvement, Spirituality, and Medicine: Implications for Clinical Pratice. Mayo Clin. Proc., 76: 1225, 2001.

- Koenig, Harold, G. and cols - "Religion, Spirituality, and Medicine: Aplication to Clinical Pratice". JAMA, 284: 1708, 2000.

- Sloan, R.P. and cols - "Religion,spirituality, and medicine". Lancet, 353:664,1999.

- Helm, H., Hays, J.C., Flint, E., Koenig, H.G., Blazer, DG (2000). "Effects of private religious activity on mortality of elderly disabled and nondisabled adults". Journal of Gerontology (Medical Sciences), 55A, M400-M405.

- Steffen, P. R., Hinderliter, A. L., Blumenthal, J. A., & Sherwood, A. (2001). Religious coping, ethnicity, and ambulatory blood pressure. Psychosomatic Medicine, 63, 523-530.

- Pargament, KI, Koenig HG, Tarakeshwar, N, Hahn, J (2001). "Religious struggle as a predictor of mortality among medically ill elderly patients: A two-year longitudinal study". Archives of Internal Medicine, 161, 1881-1885.

- Krucoff MW , Crater SW, Green CL, Maas AC, Seskevich JE, Lane JD, Loeffler KA, Morris K, Bashore TM, Koenig HG (2001). "Integrative noetic therapies as adjuncts to percutaneous intervention during unstable coronary syndromes: The Monitoring & Actualization of Noetic Trainings feasibility pilot". American Heart Journal 142,760-797.

- Ai, A.L., Peterson, C., Bolling, S.F., & Koenig, H. (2002). "Private prayer and the optimism of middle-age and older patients awaiting cardiac surgery". The Gerontologist, in press.

- Koenig HG (2002). "Religion, congestive heart failure and chronic pulmonary disease". Journal of Religion and Health, 41(3):263-278.

- Medical School Curricula in Spirituality and Medicine:

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Author Affiliation - Auguste H. Fortin VI, MD, MPH, and Katherine Gergen Barnett, Yale University School of Medicine, New Haven, Conn

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