terça-feira, 27 de julho de 2010

Deixou satanás tomar posse do Coração?

Há alguns trechos de Atos dos Apóstolos que nos permitem compreender ainda melhor as intenções do adversário nos seus confrontos com Deus, tudo fazendo para pôr obstáculos no caminho seguido pelo homem em busca da Verdade.

- Em primeiro lugar, temos a requisitória de Pedro contra Ananias.
“Ananias, por que você deixou Satanás tomar posse do seu coração? Por que você está mentindo para o Espírito Santo, conservando uma parte do preço do terreno?” (At 5,3).

É de se notar que as duas frases correm em paralelo: “Satanás tomar posse do seu coração”, e “está mentindo ao Espírito Santo”. Pedro parece querer dizer com isto que o homem é incapaz de mentir ao Espírito Santo, a não ser que alguma força extrínseca o mova interiormente.


O texto grego emprega uma expressão ainda mais rica e cogente: “Por que Satanás preencheu (ocupou por inteiro) o teu coração?” É a mesma palavra que foi utilizada noutra parte para indicar a plenitude da graça: assim como o dom de Deus preenche, toma posse do coração, e o faz transbordar de alegria, de entusiasmo, de criatividade, de desejo de entrega, assim também o adversário procura preencher o coração, tomar posse dele, cumulando-o de tédio, de amargor, de medo, de cálculo, de desgosto e de refinada mentira.

Revela-se assim a intenção do adversário: agarrar primeiro o coração, para depois dominar as ações.

Jesus ensinou que: “é dentro do coração das pessoas que saem as más intenções” (Mc 7,21). Mas é também do coração que partem as boas ações, nasce o amor, a bondade, a dedicação.

O alvo de Satanás é o coração, e nenhum coração humano goza de imunidade diante dos seus ataques. Todos os homens, sem exceção, têm os seus momentos de tentação, têm de enfrentar os ataques da amargura, do ceticismo, do desgosto. Estas tentações se modificam e se atualizam, vão mudando de nível à medida que mudam as realidades nas quais estamos vivendo. Não há nenhum tempo da nossa vida em que estejamos livres do perigo do adversário: é por causa disto que a palavra evangélica insiste muito sobre a contínua vigilância.

Uma segunda observação. As palavras de Pedro: “Satanás tomar posse do seu coração” fazem lembrar, em razão da grande semelhança, a descrição da traição de Judas:

“Durante a ceia, o diabo já tinha posto no coração de Judas Iscariotes, filho de Simão, o projeto de trair Jesus…” (Jo 13,2).

Há um paralelo impressionante entre esta leitura e o nosso tema. É como se o texto dissesse: Como é que Judas poderia trair Jesus se ele não contasse com o auxílio de uma força extrema, a força do adversário?

Com efeito, o trecho de João é mais complexo, e esta tradução segue uma tradição textual que não é das mais antigas. Os códices mais vetustos (Sinaítico, Vaticano e a própria Vulgata) dizem: “quando o diabo já tinha posto no seu coração” (no coração dele, diabo) “foi que Judas O traiu”.

Isto é muito interessante, porque nos revela um outro aspecto do adversário, apresentando-o como a antítese de Jesus. Jesus, por assim dizer, já está no coração daquele que deve passar para o Pai, e Ele quer amar os seus até o extremo, até o fim. Satanás encheu o próprio coração com um outro desejo: que Judas devia trair Jesus. Ele notou que Judas era o mais fraco, que estava amargurado e descontente, que ele já tinha dado passos nesta direção. Então ele direcionou seus esforços contra Judas.

O lava-pés torna-se assim a luta entre Jesus e Satanás para salvar Judas: Jesus fez um gesto de humildade, tentando com isso comover o coração de Judas, exatamente quando ele estava prestes a ser invadido pela tentação satânica da traição. É Jesus que luta em prol do homem: Ele lutou para salvar Judas, e não apenas a Pedro e aos outros discípulos. Ele procurou fazer com que Judas visse, através de um gesto simbólico, que Ele o amava profundamente, que Ele queria morrer por ele, que Ele o estimava, que Ele estava próximo, que Ele procurava servi-lo como um verdadeiro criado. Ele tentou de todos os modos conquistar-lhe o coração, arrancando-o assim das garras do adversário.

Segundo esta interpretação, podemos compreender melhor o estilo dramático, feito de contraposições, da experiência cristã como está descrita no Novo Testamento: a luta de Cristo contra Satanás, a luta entre a luz e as trevas, pela conquista do coração humano.
É preciso que, a todo instante, estejamos em alerta para superar um adversário mais poderoso e mais inteligente do que nós. Por causa disto é indispensável confiar no poder e na força do Espírito Santo.

(Reencontrando a si mesmo - há um momento que devemos parar e procurar; de Carlo Maria Martini – Cardeal, arcebispo de Milão e ex-reitor do Pontifício Instituto Bíblico de Roma)

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