segunda-feira, 24 de maio de 2010

Entrevista com o teólogo do Papa sobre a ação do demônio

Por sua ação contra o homem, "devemos tomar o demônio muito a sério", mas sem esquecer em nosso caminho a confiança no amor de Deus, um amor "mais forte que tudo", cuja misericórdia "vence todo obstáculo", explica o cardeal Georges-Joseph Marie Martin Cottier, O.P., teólogo da Casa Pontifícia.
Acontecimentos como o de 24 de julho de 2004, na catedral de Santiago do Chile, o padre Faustino Gazziero foi assassinado por um jovem que proferia gritos satânicos, isso quando o sacerdote acabara de celebrar a Eucaristia-- suscitam a questão da influência maligna na pessoa e na sociedade.
Nesta entrevista, o cardeal Cottier aborda a ação real do demônio no mundo, suas causas, conseqüências e o motivo de esperança para o homem.
1. Neste grande mistério do mal, quanto conta a ação do diabo e que parte tem ao contrário a responsabilidade do homem?
O diabo é o grande sedutor porque tenta levar o homem ao pecado apresentando o mal como o bem. Mas nossa falta responsabilidade conduz à queda porque a consciência tem capacidade de distinguir o que é bom e o que é mal.
2. Por que o diabo quer induzir o homem ao pecado?
O diabo quer arrastar consigo o homem porque ele mesmo é um anjo decaído. A queda do primeiro homem esteve precedida pela queda dos anjos.
3. É uma heresia afirmar que também o diabo forma parte do projeto de Deus?
Satanás foi criado por Deus como anjo bom porque Deus não cria o mal. Tudo o que sai da mão criadora de Deus é bom. Se o demônio se converteu em mal é por sua culpa. É ele que fazendo mal-uso de sua liberdade se fez mal.
4. Haverá alguma vez redenção para o demônio, como afirma algum teólogo?
Propomos uma premissa: o homem caiu no pecado porque o primeiro pecador, ou seja, o demônio, arrastou-o a seu abismo do mal. De que se trata sua substância? De rejeição de Deus e, sobretudo, da oposição ao Reino de Deus como projeto de providência sobre o mundo. Esta rejeição que nasce da liberdade de uma criatura como o diabo é uma rejeição total, irremediável e radical, como se diz também no catecismo da Igreja Católica.
5. Então nenhuma esperança de que ao final a misericórdia de Deus possa vencer o ódio do diabo?
O caráter perfeito da liberdade do anjo decaído faz que sua eleição seja definitiva. Isto não significa pôr um limite à misericórdia de Deus, que é infinita. O limite está constituído pelo uso que o diabo faz da liberdade. É ele que impede a Deus de cancelar seu pecado.
6. Por que o diabo, que é espírito inteligentíssimo, usa dessa maneira essa liberdade que é em qualquer caso sempre um dom de Deus?
Aqui estamos ante o mistério. O mistério do mal é antes de tudo o mistério do pecado. Somos golpeados justamente pelos males físicos, mas existe um mal muito mais radical e mais triste que é o mal do pecado. O diabo se estabeleceu em sua rejeição. Também o pecado do anjo é sempre mais grave que o do homem. O homem tem tantas debilidades em si que de alguma maneira sua responsabilidade pode ficar velada; o anjo, sendo espírito puríssimo, não tem desculpas quando elege o mal. O pecado do anjo é uma eleição tremenda.
7. Parece impossível que um anjo criado na luz de Deus tenha podido eleger o mal...
Quando falamos de um anjo decaído por causa do pecado enfrentamos um tema muito grave e, portanto, devemos tratá-lo com grande seriedade. Na tentação do homem temos quase um reflexo do que foi o próprio pecado do anjo. Eis aqui a sedução suprema: pôr-se no lugar de Deus. Inclusive Satanás não reconheceu sua condição de criatura.
8. Por que o demônio é chamado príncipe deste mundo?
É uma expressão do Evangelho de João. Significa que o mundo, quando esquece de Deus, é dominado pelo pecado. A ação do demônio está guiada pelo ódio para com Deus e pode fazer graves danos quando seguimos suas tentações. O mal principal do demônio é o mal espiritual, o do pecado. Esta ação toca tanto o indivíduo como a sociedade.
9. Deus não teria podido impedir tudo isto?
Sim, mas permitiu que tanto o demônio como o homem tivessem a liberdade de atuar e, às vezes, de pecar. É um mistério tremendo. São Paulo diz: "Tudo é para o bem dos que amam a Deus". Quando, portanto, estamos com Deus, inclusive o mal contribui a nosso bem.
10. Difícil de aceitar...
Pensemos nos mártires. No extraordinário bem espiritual que, à luz da fé, deriva-se de uma tragédia como um martírio. Santo Agostinho, comentando a Paulo, diz: "Deus não teria permitido o mal se não quisesse fazer deste mal um bem maior". Há bens que a humanidade não teria conhecido se não tivesse estado na presença do pecado e do mal. É difícil afirmar isto, mas é a verdade.
11. Como o diabo atua na realidade de todos os dias?
Podemos compreender isso por algumas expressões do Evangelho de João, ali onde se diz que o demônio é homicida desde o princípio. Ou seja, é destruidor e faz morrer, tanto em sentido próprio como espiritualmente. Por isso é chamado o grande tentador.
12. Referimo-nos ao diabo quando no "Pai Nosso" dizemos "não nos deixes cair em tentação"?
Sim, pedimos a Deus resistir à tentação. É errado pensar que toda tentação venha do demônio, mas as mais fortes e mais sutis, as mais espirituais, têm certamente sua contribuição. E são tanto tentações individuais como coletivas. O demônio atua sobre a história humana. Sua influência é negativa. A morte, o pecado, a mentira são sinais de sua presença no mundo.
13. Diz-se que nem todas as tentações vêm do demônio. De que outra coisa devemos nos guardar então?
A tradição cristã nos diz que as fontes de tentações são três. A mais terrível, certo, é a do demônio. Depois está o mundo, a sociedade. E finalmente está na "carne", isto é, nós mesmos. São João da Cruz diz que destas três tentações a mais perigosa é a última, ou seja, nós mesmos. Para cada um de nós o inimigo mais pérfido é si mesmo. Antes de atribuir as tentações ao demônio e ao mundo, pensemos em nós mesmos. Aqui encontramos também a importância da humildade e do discernimento. O Espírito Santo nos dá o dom do discernimento e nos preserva da soberba de confiar demasiado em nós mesmos.
14. Qual é a atitude mais correta que o cristão deveria observar frente ao mistério do maligno?
Não se esquecer que a paixão e a morte de Jesus triunfaram para sempre sobre o demônio. Isso é uma certeza, São Paulo diz. A fé é a vitória sobre o pai do pecado e da mentira. Isto quer dizer que o demônio, sendo uma criatura, não tem um poder infinito. Apesar de todos seus esforços o demônio nunca poderá impedir a edificação do Reino de Deus, que cresce pese a todas as perseguições. O cristão, graças à fidelidade na fé, vence o mal.

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